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Pontes de Esperança: o amor que transforma vidas através da adoção

Larissa Duarte
Repórter

No Brasil, mais de 35 mil crianças e adolescentes vivem em abrigos, e no Rio Grande do Norte são 247 acolhidos. Apesar de haver 522 pretendentes habilitados à adoção, 88% desejam crianças de até seis anos, o que deixa adolescentes e crianças com deficiência mais tempo à espera, segundo dados fornecidos pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN). Os números expõem um desencontro de perfis que o sistema ainda tenta superar, mas também revelam uma travessia de amor e coragem que transforma vidas. Neste Dia das Crianças, a TRIBUNA DO NORTE volta o olhar para quem ainda espera por um lar.

É para aproximar esses dois lados que nasceu o Pontes de Esperança, um projeto idealizado pela Promotoria de Parnamirim em parceria com a Prefeitura do Município e o Grupo de Apoio à Adoção Abrace. A iniciativa, firmada por meio de um Termo de Cooperação Técnica, busca dar visibilidade às histórias que permanecem nas sombras do sistema, ampliando as chances de cada criança ser vista e acolhida por uma nova família.

Foi o amor que moveu Helena Garção, 35, e Gullyver Garção, 39, a atravessar essa ponte. Pais de Heitor, 7, o casal está em processo de adoção de Arthur, um bebê com síndrome de Down, que aos três meses ainda não sabe que foi o amor que o tirou do hospital e o levou para casa. “Tem tanta criança no mundo que precisa de um lar, e a gente queria proporcionar esse lar para uma criança. Eu tive câncer e fiquei com dificuldade de gerar um filho biológico. A adoção foi o meio que encontramos para realizar o desejo de ser pai”, conta Gullyver.

A descoberta da síndrome nunca foi motivo de dúvida. “Para mim foi tranquilo, porque eu sempre quis. Tive contato na infância com uma pessoa com síndrome de Down e era uma pessoa incrível. Sempre a achei linda, nunca vi como algo diferente”, recorda Helena. O casal já estava habilitado para adotar, mas com o cadastro inativo. A chegada de Arthur foi repentina, após Gullyver descobrir a presença dele em um hospital em que trabalha. “Quando ficamos sabendo de Arthur, sentimos: ‘É o nosso filho’. Começamos a procurar a Justiça, atualizamos o cadastro e entramos com o processo”, completa.

Helena Garção e Gullyver Garção sentiram que Arthur iria compor a família desde o início | Foto: Magnus Nascimento

A chegada de Arthur foi marcada por emoção e pressa de amar. “Lembro do momento em que cheguei ao hospital e o vi pela primeira vez. Foi um amor que encheu o peito de um jeito que não dá para explicar. Muitas pessoas acham que, por não ser gerado biologicamente, o amor será diferente, mas é igual”, diz Gullyver. O apoio institucional do projeto Pontes de Esperança foi essencial. “Eles foram verdadeiros anjos para nós. Deram todo o apoio, correram atrás junto com a gente”, conta Helena.

Hoje, vivendo o estágio de convivência, o casal sonha com o futuro do novo filho. Assim como eles, dezenas de famílias no estado percorrem o mesmo caminho, aprendendo que o amor não tem idade nem diagnóstico. Em Parnamirim, 21 crianças estão acolhidas, dez em fase de aproximação e seis em busca ativa, aguardando o dia de atravessar sua própria ponte.

A promotora de Justiça do MPRN, Gerliana Lima, explica que o projeto nasceu da necessidade de transformar esse cenário. “O Pontes de Esperança tem o objetivo de viabilizar a adoção necessária, que é a mais difícil de alcançar: a adoção de irmãos, de crianças com deficiência e de adolescentes”, afirma. Ela conta que, enquanto as adoções de bebês acontecem com facilidade, outras faixas etárias permanecem por anos em abrigos.

Na prática, o termo de cooperação firmado entre as instituições distribui responsabilidades para agilizar o processo. O Município de Parnamirim produz vídeos e fotos das crianças, o Ministério Público e o Judiciário priorizam a celeridade nos processos, enquanto o grupo Abrace acompanha e prepara as famílias. Os materiais são incluídos no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), ampliando o alcance e fortalecendo a busca ativa, mecanismo que permite que habilitados conheçam crianças fora do perfil inicialmente desejado.

Para Gerliana, o maior desafio ainda é cultural. “A primeira dificuldade é quebrar esse preconceito antigo de que só se pode adotar bebê. Pode-se adotar criança ou adolescente. Há relatos muito bonitos de quem adota adolescente e diz, dois anos depois: ‘Parece que a vida toda estive com essa pessoa’. É impressionante”, diz. Ela lembra que o medo de lidar com doenças ou deficiências também pesa na decisão das famílias, mas que tratamentos e acompanhamentos disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) oferecem o suporte necessário.

Ainda assim, a promotora reforça que a adoção é, antes de tudo, um gesto de amor. “Se alguém disser ‘quero amar’, encontrará várias crianças e adolescentes querendo amar e ser amados”, considera. Segundo ela, o projeto nasceu para que essa aproximação aconteça com mais humanidade. “Quando chego às unidades de acolhimento, os adolescentes me perguntam: ‘Tia, quando será a minha vez?’. E eu digo que estou procurando, e estou mesmo. Do outro lado da ponte estão as famílias. O que eu quero é que todos participem dessa ponte para gerar a esperança de ambos os lados: o de quem busca amar e o de quem quer ser amado”, relata Gerliana Lima.

Novos vínculos familiares que nascem do encontro

A história de Emerson Luiz, 32, e Luciane de Paiva, 51, mostra que o amor também pode chegar quando a primeira infância já ficou para trás. Pais de Arthur Elias, 12, e Samuel Lucas, 13, descobriram na adoção tardia um novo modo de construir a família. “Quando me casei, minha esposa descobriu que não poderia ser mãe biologicamente. Decidimos entrar no processo de adoção. O primeiro a chegar foi Arthur, com um ano e dez meses. Depois de nove anos, decidimos voltar ao processo e adotamos Samuel, que chegou aos dez anos”, relata Emerson.

Ele lembra que o novo filho trouxe uma transformação silenciosa. “Samuel não era alfabetizado. Começamos a trabalhar isso juntos. Hoje ele é alfabetizado e, só neste ano, já leu dez livros. Sempre digo: as crianças do acolhimento não são incapazes, só precisam de oportunidade”, relata. O filho confirma com timidez. “Eu sempre orava todos os dias para que Deus me desse uma família. Quando conheci meu pai e minha mãe, me senti mais amado. Eles me deram carinho, amor e lazer”, diz Samuel.

Para Emerson, a experiência ampliou o sentido da paternidade. “É tempo de mudar. O amor é o mesmo, só que em fases diferentes. É uma vivência nova tanto para os pais quanto para o filho. Dá para construir, sim”, afirma. A história da família reflete o que a promotora e os grupos de apoio chamam de adoção necessária: aquela que acolhe quem por muito tempo ficou invisível. Hoje, com um caminho diferente antes da adoção, Samuel enxerga um futuro melhor e sonha em ser piloto da aeronáutica, contando com os pais nesse apoio.

Entre essas mãos que sustentam a travessia está o grupo Abrace, fundado pela presidente Xênia Brandão e a voluntária Franklândia Fonseca, ambas mães por adoção. “Nosso trabalho com as famílias que pretendem adotar é de formação. Não no sentido de ajudar a compreender que as crianças e adolescentes que chegam pela via da adoção trazem demandas e precisam de um olhar mais cuidadoso”, explica Xênia.

Além de voluntárias na causa, Franklândia e Xênia também são mães pela via da adoção | Foto: Magnus Nascimento

O processo de adoção no Brasil é gratuito e pode ser iniciado em qualquer Vara da Infância e Juventude. A idade mínima para se habilitar é de 18 anos, desde que o adotante tenha pelo menos 16 anos a mais que a criança ou adolescente a ser acolhido. Todo o procedimento é acompanhado pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, com rigor na documentação, além de uma avaliação feita por equipe interprofissional composta por psicólogos e assistentes sociais. Se aprovado, o nome do candidato é inserido no SNA, em ordem cronológica.

Quando há compatibilidade entre o perfil da criança e o do adotante, o Judiciário entra em contato e inicia a aproximação sob supervisão. Se houver vínculo, começa o estágio de convivência, período de até 90 dias em que a criança vive com a família sob guarda provisória. Após esse período, um novo prazo de 15 dias é iniciado para entrar com a ação de adoção. Confirmada a adaptação, o juiz profere sentença determinando a emissão do novo registro de nascimento, garantindo ao adotado todos os direitos civis e familiares: o mesmo nome de quem escolheu amar.

Além de preparar para esse processo, o Abrace acompanha o pós-adoção, uma fase de fortalecimento dos vínculos. “O amor não nasce instantaneamente ao olhar para o filho, ele é construído. O Abrace está presente nesse processo de construção e fortalecimento dos laços”, diz Franklândia. O grupo surgiu da experiência pessoal das fundadoras. Enquanto Xênia tem um filho por vias biológicas e uma filha por via da adoção, Franklândia construiu a família com três filhos adotados, sendo uma delas em fase tardia após o início da adolescência.

Confira a reportagem em vídeo:

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