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Tarifa Zero custaria R$ 230 milhões por ano em Natal, aponta estudo nacional

Ananda Miranda
Repórter

A implementação da Tarifa Zero em Natal custaria cerca de R$230 milhões por ano, segundo o estudo nacional “Caminhos para Tarifa Zero”, elaborado por pesquisadores de diferentes instituições brasileiras. Entre as capitais analisadas, Natal aparece com um dos custos mais baixos do país.

O levantamento estima ainda que, considerando toda a Região Metropolitana de Natal e as viagens intermunicipais, o valor chegaria a R$ 336 milhões anuais. As projeções são feitas com base em estimativas de custos por quilômetro e por passageiro.

A proposta da Tarifa Zero prevê gratuidade total no transporte público para toda a população. Letícia Birchal, professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB) e uma das autoras da pesquisa, afirma que Natal aparece entre as capitais com menor custo operacional pelo tamanho da população: “quanto maior a cidade, no sentido de população, maior é o custo do quilômetro rodado. Porque você tem mais demanda de passageiros, você tem mais frota rodando, você tem um sistema maior.”

Segundo a pesquisadora, os impactos econômicos nas cidades que já adotaram a política caminham na direção de resultados positivos.

Ela cita estimativas que apontam para um aumento de 25% a 35% no comércio local, já que “as pessoas passam a ter um dinheiro a mais no fim do mês, já que param de gastar com a tarifa”. Outro estudo mencionado por Birchal indica que a Tarifa Zero contribui para o aumento do emprego formal nos municípios onde é implementada.

“A gente entende que há outras economias que podem ser feitas e que devem ser incorporadas nessa ideia de que a Tarifa Zero traz externalidades positivas para além da própria política de transporte público”, afirma.

A pesquisadora vê potencial para Natal se tornar a primeira capital brasileira a adotar o modelo em larga escala.

Hoje, a Tarifa Zero está concentrada em municípios menores, como Caucaia (CE), Maricá (RJ), São Caetano do Sul (SP), entre outros. “Natal poderia ser a primeira capital a implementar a tarifa zero e ter uma diversificação de perfis de cidades para adotar a política, porque hoje ela é restrita para cidades com uma população pequena”, destacou Letícia Birchal.

Apesar do cenário apresentado pelo estudo, especialistas locais avaliam que a viabilidade depende de articulação federativa e ajustes estruturais.

O modelo sugerido pelos pesquisadores consiste em substituir o atual vale-transporte por uma contribuição fixa paga pelas empresas das cidades com mais de 50 mil habitantes — hoje, 706 municípios. Pelo mecanismo, empresas com até nove funcionários seriam isentas da cobrança, o que deixaria 83% dos CNPJs fora da contribuição.

O cálculo já incluiu um acréscimo de 20% no custo para ampliar a frota, considerando que a demanda aumentaria e a remuneração do sistema seria reorganizada.

Para Carlos Batinga, engenheiro e ex-superintendente de Transportes Urbanos de Natal, imaginar a Tarifa Zero no curto prazo e de forma universal é algo utópico: “Acho que nenhuma cidade vai conseguir financiar sozinha o custo desse serviço essencial. Tarifa zero tem que envolver as três esferas de governo, o que necessita promover essa articulação, como ocorre com o SUS”.

Ele lembra que os 300 maiores municípios concentram mais de 50% da população brasileira e do PIB. “O desafio da mobilidade urbana não é apenas municipal ou estadual, mas um problema nacional, que exige o envolvimento coordenado das três esferas de governo.”

Implantar a Tarifa Zero sem antes reestruturar o sistema de transporte pode aumentar os custos e não melhorar o serviço, conforme Batinga. “Aumentaria a demanda e não teria como ampliar a oferta de mais linhas e frota de imediato”, revela o engenheiro, defendendo que esses riscos valem para qualquer cidade brasileira.

Flávia dos Santos, estudante, considera alto o custo atual da passagem de ônibus | Foto: Magnus Nascimento

Valor é considerável, diz Município

A Secretária de Mobilidade Urbana de Natal, Jódia Melo, explica que embora R$230 milhões pareçam pouco dentro do orçamento municipal, após descontar as despesas obrigatórias esse valor passa a representar uma fatia significativa das contas públicas.

“Um custo inicialmente estimado em R$230 milhões pode crescer significativamente. A Tarifa Zero é possível, sim, mas depende de vencer etapas de planejamento operacional e financeiro para garantir um bom serviço sem comprometer o orçamento municipal”, defende a gestora. A secretária Jódia Melo defende que o maior risco é o aumento abrupto da demanda.

Além disso, a atual frota e frequência de Natal não conseguiriam absorver um aumento de passageiros caso o transporte se tornasse gratuito. “A frota atual atende à demanda existente, e ainda assim precisa ser ampliada e modernizada, algo já previsto no edital de licitação”, informa Melo.

Se o município não conseguir arcar com os custos adicionais, corre-se o risco de queda na qualidade do serviço: menos viagens, menor frequência, frota insuficiente e, consequentemente, descumprimento do próprio direito social ao transporte público. “A tarifa zero pode ampliar direitos, mas exige responsabilidade financeira e planejamento para evitar um cenário de endividamento e deterioração do serviço”, destacou.

Leticia Birchal explica que o estudo leva em conta alguns custos fixos da frota, que não variam conforme a demanda. Com isso, há um aumento na oferta e a política também transforma a forma de cálculo da remuneração, tornando o sistema mais eficiente.

No caso de Natal, dos R$230 milhões estimados para a implantação da política, cerca de R$40 milhões seriam destinados especificamente ao aumento da frota.

Ela lembra, porém, que nem todas as cidades que adotaram a Tarifa Zero ampliaram a frota.

O professor da UFRN e especialista em transporte e trânsito Rubens Ramos estima que o custo da Tarifa Zero poderia chegar a 4% ou 5% do Orçamento Geral do Município de Natal, hoje em torno de R$ 5 bilhões.

Ele defende que a Tarifa Zero seja financiada com tributos já existentes, sem criação de novos impostos, e que se avalie até mesmo reduzir ou zerar o custo do vale-transporte no emprego. “As cidades do Brasil que têm tarifa zero não criaram novos impostos. Trata-se de reorganizar o gasto público e encontrar 5% para a tarifa zero”, diz.

A redução do custo do vale-transporte pode funcionar como incentivo ao emprego e ao comércio — um dos benefícios esperados da política. “Criar tarifa zero onerando o custo do trabalho vai contra esse benefício.”

Para Rubens Ramos, o impacto da política pode ser positivo: “o ‘risco’ maior da tarifa zero é das pessoas gostarem”.

O pesquisador estima que a demanda com transporte gratuito dobre e isso demandaria um aumento na frota, principalmente nos horários entre picos, onde existe grande ociosidade. “A tarifa zero tem que ser acompanhada de uma significativa melhoria da qualidade dos veículos, caso contrário corre o risco de virar um SUS, de graça, mas quem pode faz seu plano de saúde privado e não usa”, denuncia. 

Usuários relatam dificuldades no transporte

O pesquisador Rubens Ramos explica que a implantação da Tarifa Zero poderia trazer uma série de benefícios, como a redução de acidentes envolvendo motos, mais oportunidades de emprego — já que a distância deixaria de ser um obstáculo — e um fortalecimento do comércio no Centro da cidade.

Na prática, porém, o cotidiano dos usuários mostra um cenário ainda distante do ideal. Francisca Pereira, moradora da Zona Norte, sente o impacto no orçamento da família. Embora seja idosa e não pague passagem, ela precisa acompanhar o filho, que realiza tratamentos médicos e arca com o valor das tarifas. “Eu acho caro. Porque os ônibus na Zona Norte demoram. A gente precisa, então a gente paga”, relata.

A estudante Flávia dos Santos depende do transporte público todos os dias para chegar à faculdade e sente o peso no fim do mês. “É muito cara para mim que sou estudante. Eu acho um absurdo, porque a cada dia que passa vem aumentando mais. A gente e pessoas que já são CLTs já têm dificuldades para se locomover de um canto para outro”, afirma.

Também usuária frequente, a vendedora Luciana Silva costuma pegar ônibus para passeios com o filho e reclama da demora e da qualidade do serviço. “Os ônibus demoram e eu gosto de sair para fazer exercício em lugares diferentes. A qualidade não é boa”, desabafa enquanto espera na Zona Leste.

Lenilda Nobrega, moradora da Zona Norte de Natal, conta que muitas vezes precisa esperar por mais de um ônibus até chegar ao destino. Ela pega transporte público semanalmente para levar o esposo a tratamentos médicos e desabafa: “Eu acho o preço absurdo pela qualidade de ônibus que nós temos. Absurdo.”

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