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Santos Cruz se diz frustrado com atuação da ONU no Congo

O general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ex-comandante das forças de paz da ONU na República Democrática do Congo, afirmou que está frustrado com o declínio da política da ONU de combate aos rebeldes do M23, que pode ser uma explicação para a invasão armada no último domingo (26) da cidade de Goma. O ataque, que teria tido apoio do governo vizinho de Ruanda, causou a morte de 17 militares da ONU e uma crise humanitária de grandes proporções. A cidade, que tem cerca de 1 milhão de habitantes, recebeu mais de 30 mil refugiados nos últimos dias e vivencia combates diariamente.

Pela primeira vez na história das Nações Unidas, em 2013, suas tropas de capacetes azuis receberam um mandato de caráter ofensivo, ou seja, tinham a missão de atacar e debelar forças rebeldes que atuavam na região. Para isso, elas receberam carros de combate, artilharia e helicópteros de ataque.

Em cerca de um ano, o general Santos Cruz não só impediu a invasão da cidade, como derrotou militarmente o M23 e forçou sua desmobilização. Seu trabalho se tornou um caso de estudos para condutas futuras de missões de paz da ONU. Em resumo, o Relatório Cruz, que passou a nortear missões de paz, diz que a ONU não deveria ser uma força reativa, com militares espalhados em posições de defesa em países em crise. As Nações Unidas deveriam concentrar suas forças para atacar rebeldes e forças hostis antes que elas conseguissem se organizar para agredir a população civil ou as próprias tropas das Nações Unidas.

Santos Cruz foi substituído após o fim de seu mandato na Monusco (missão a ONU na República Democrática do Congo) por comandantes militares de outros países. O Brasil voltou ao comando militar da missão em 2018, e três generais ocuparam o posto até o ano passado. O atual comandante interino era do Senegal.

Há indícios de que, ao longo dos anos, a estratégia criada por Santos Cruz foi sendo deixada de lado pela ONU. Em 2021, enquanto a missão da ONU era comandada militarmente por um brasileiro, o M23 começou a se reorganizar. Mas a decisão de tomar uma postura mais passiva não vem necessariamente do comando militar, mas do comando político da missão, que nunca foi do Brasil. Em janeiro deste ano, o M23 e a Aliança do Rio Congo lançaram uma campanha militar que resultou na invasão de ao menos cinco cidades: Rubaya, Masisi, Minova, Sake e Goma.

“Me sinto frustrado por aqueles que morreram acreditando que [a política que levou à derrota do M23] teria continuidade”, disse Santos Cruz à Gazeta do Povo. “Eu me lembro do rosto de cada soldado que eu perdi”, afirmou. O general ganhou notoriedade porque, mesmo tendo um cargo com características políticas, liderava pessoalmente suas tropas no campo de batalha, tanto na República Democrática do Congo quanto no Haiti, onde também ocupou o cargo de comandante-geral das forças da ONU no país. Quando assumiu em 2013, transferiu sua base de comando da capital, Kinshasa, para o centro do conflito em Goma.

Em julho de 2013, antes do início dos combates, ele chegou a invadir um dos principais acampamentos do M23 acompanhado de uma pequena tropa, com menos de 30 combatentes, para dar um recado não verbal aos rebeldes: recuem das imediações de Goma ou haverá combate. As batalhas começaram no dia seguinte e o M23 acabou empurrado de volta para Ruanda em poucos meses.

Após a vitória militar, Santos Cruz voltou à reserva do Exército Brasileiro e atuou como consultor da ONU. Foi nesse período que ele escreveu o Relatório Cruz. Em 2017, ele ingressou na carreira política no Brasil, como Secretário Nacional de Segurança Pública do ex-presidente Michel Temer.

A experiência política e a postura em combate, que começou a render memes e brincadeiras de que seria um “linha dura”, pela bravura em combate no Congo, fizeram Santos Cruz ser convidado a chefiar a Secretaria-Geral do governo Bolsonaro. Mas ele acabou se desentendendo com filhos de Bolsonaro sobre gastos com publicidade do governo. O general se tornou então um crítico da gestão do ex-presidente do PL, especialmente pelo fim das ações de combate à corrupção. Seus detratores o criticam por se voltar contra Bolsonaro.

Guerra é motivada por disputa por recursos minerais e não por questões étnicas, diz general

Em uma reunião de emergência do Conselho de Segurança da ONU na terça-feira (28), representantes da República Democrática do Congo e de Ruanda trocaram acusações sobre as motivações da guerra. A República Democrática do Congo, a nação invadida, disse que a motivação dos rebeldes e de Ruanda é a anexação de seu território.

Já Ruanda acusou o presidente congolês, Félix Tshisekedi, de ameaçar e tramar a derrubada de seu presidente, Paul Kagame, que está no poder de forma ininterrupta há quase 25 anos. O país, que nega apoiar o M23 e a Aliança do Rio Congo, alegou que o conflito teria motivação étnica, afirmando que Tshisekedi apoiaria o movimento rebelde FDLR, formado por membros da etnia Hutu, e que tem por objetivo derrubar o governo Tutsi em Ruanda.

O conflito atual tem ligação histórica com o genocídio cometido por Hutus contra Tutsis em 1994 em Ruanda. Após cometerem massacres que resultaram em cerca de 800 mil mortos, grupos Hutus fugiram para a República Democrática do Congo, onde formaram milícias que hoje são conhecidas como o FDLR, que lutaram ao lado do governo congolês na Segunda Guerra do Congo (1998-2003). Já Ruanda enviou milícias para o país vizinho para lutar contra esses Hutus e contra o governo central. Elas já tiveram vários nomes, mas hoje são conhecidas pelos nomes de M23 e AFC (sigla da Aliança do Rio do Congo).

Na opinião do general Santos Cruz, embora o atual conflito tenha essas características de luta étnica, sua principal motivação é o controle de jazidas minerais no leste da República Democrática do Congo.

“O grande objetivo de Ruanda é pegar um pedaço do Congo, porque ali tem muitos recursos, é uma anormalidade geológica”, afirmou à reportagem.

A região do atual conflito é rica em jazidas de ouro e coltan, um minério que tem o nióbio e a tantalita em sua composição. Ele tem propriedades elétricas que o tornam fundamental na produção de telefones celulares, computadores e baterias.

Segundo Santos Cruz, os rebeldes traficam esses minerais para Ruanda e Uganda, onde a produção receberia certificados de origem forjados e seria colocada no mercado internacional por preços mais baixos. De acordo com ele, esses crimes são amplamente conhecidos pela comunidade internacional, mas o Conselho de Segurança da ONU não toma a atitude de requisitar uma investigação detalhada para atribuir responsabilidades.

“Não abriram investigação sobre o contrabando de minérios, não investigam como o M23 foi treinado e reorganizado, não fazem investigação sobre crimes sexuais, não cortam a ajuda financeira do Ocidente para Ruanda”, afirmou o general sobre a reunião de emergência do conselho realizada na terça-feira (28).

Sobre as acusações de Ruanda a respeito da milícia Hutu FDLR, Santos Cruz disse que atualmente eles não representam uma ameaça militar para o governo de Ruanda. Segundo ele, o grupo não domina grandes territórios e sua desmobilização ou neutralização não ocorrerá por meio de grandes ações militares.

“É bom deixar claro que a FDLR é uma questão de operação de inteligência, que só pode ser feita pelo governo do Congo. Não é exatamente uma operação militar, pois eles [rebeldes da FDLR] foram para lá faz 30 anos e se misturaram com a população, vivem lá, constituíram famílias com mulheres e homens congoleses. Nem todos os [Hutus] que fugiram para o Congo são FDLR. Isso não é um grupo constituído, perfeitamente identificável, uniformizado e localizado num determinado local”, disse.

O ex-comandante das forças da ONU disse que a última reunião de emergência do Conselho de Segurança sobre a República Democrática do Congo representou uma desmoralização do órgão, pois nenhuma medida concreta foi estabelecida. “Ela mostrou a posição [política] de cada país, mas de efetivo não tem nada”, disse. Os países concordaram que o conflito deve ter uma solução política e não militar e fizeram pressão sobre Ruanda.

“Gasta-se bilhões de dólares em missões de paz e ninguém é responsabilizado”, disse. Para o general, medidas concretas seriam sanções contra Ruanda, eventuais investigações sobre o envolvimento de Uganda e da corrupção de autoridades na República Democrática do Congo.

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