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Aos 67 anos, o jornalista e documentarista João Lara Mesquita já navegou toda a extensão do litoral brasileiro inúmeras vezes. Com seu barco, Mar Sem Fim, foi também quatro vezes para a Antártida — onde, em 2012, foi resgatado horas antes de a embarcação afundar, após uma tempestade de grandes proporções. Nas últimas duas décadas, Mesquita se entusiasmou em retratar as belezas do litoral brasileiro e dos oceanos em programas na TV Cultura e documentários, além de alimentar seu site, também batizado de Mar Sem Fim — o nome é inspirado em um poema de Fernando Pessoa. Após descobrir um câncer agressivo em 2014, ele foi obrigado a cessar as viagens, mas desde então continua alertando para os ataques ambientais que o oceano vem evoluindo regularmente. Mesquita agora busca patrocínio para viabilizar uma nova temporada do programa Mar Sem Fim e continue o trabalho de documentar o belíssimo litoral brasileiro. Com a experiência de quem conhece como ninguém os oceanos, Mesquita faz uma alerta para a preservação dos oceanos em entrevista a VEJA:
O senhor satisfez a vida a navegar pelo litoral brasileiro e nos últimos anos fez quatro expedições à Antártida. Nessas jornadas, foi possível notar alterações causadas pelo aquecimento global? Não tive uma visão de longo prazo da Antártida, apesar de ter visitado o continente quatro vezes a partir de 2010. Eu não vi como estava lá nos anos 2000. O que vi foram pequenos espaços sem neve, próximo às bases de pesquisa. No passado, isso seria impossível acontecer. Hoje é muito comum. Os eventos extremos do clima são cada vez mais comuns. Tenho 67 anos e naveguei pela primeira vez aos 12. Faz mais de 50 anos que navego pelo litoral brasileiro. Nunca tinha visto tempestades com a força que têm hoje em dia.
O que os últimos tempos que devastaram o litoral norte de São Paulo nos dizem sobre as mudanças no clima? Até hoje o aquecimento global não é levado a sério. Não temos nenhum plano para alocar as pessoas em áreas de risco. Pequisas apontam que há entre 3 e 8 milhões de brasileiros vivendo em áreas de risco como essas. As ocupações irregulares do solo continuam ocorrendo. Há conivência dos políticos que fingem que não veem ou, pior, organizam ocupações para depois levar benfeitorias em busca de voto.
Ainda precisamos avançar muito na proteção dos oceanos? Sou pessimista. Existe um falatório em defesa dos oceanos, fazem uma reunião de cúpula atrás da outra, mas não avançam porque os interesses são muitos. A China tem um objetivo, os Estados Unidos outro e o Brasil, um terceiro. Apenas 44 países não têm saída para o mar. O que se discute agora é a mineração no fundo do mar. É um problema seríssimo.
Falta regulamentação para essa forma de mineração nos oceanos? Todos os aparelhos que usamos, como celular, computadores etc. usam minerais que estão se esgotando em terra, mas são abundantes no subsolo oceânico. Há um forte lobby para que a mineração não tenha ocorrido, mas pequenos países insulares tem soberania de seu mar territorial. Um pequeno país que não tem renda, pode ceder à pressão de uma empresa multinacional e permitir a exploração do solo. O resultado seria abrir (no fundo do oceano) uma cratera do tamanho de Carajás, como foi feita na Amazônia, e começar a tirar terra. O problema é aquela pluma, ou seja, aquela poeira boiando. Uma máquina escavando profundamente o solo marinho vai levantar uma espuma que demorará mais de dez anos para assentar. Vai levantar metais pesados e prejudicar o ecossistema.
O senhor está otimista ou pessimista com o novo governo na área ambiental? A questão da Amazônia mudou agora. Lula não é bobo. Ele sabe que tem de parar a depredação da Amazônia. É uma demanda mundial. Só um sujeito muito tosco para não perceber isso, como foi o caso de Bolsonaro. Mas vai demorar porque o estrago que o Ricardo Salles causou foi muito grande. Ele expôs órgãos de controle a uma miséria orçamentária sem fim. Meu desespero vem do fato de que a minha especialidade é o bioma marinho. Esse bioma, infelizmente, não tem o menor apelo público. A destruição da Amazônia nos quatro anos do Bolsonaro foi seguida de protestos mundiais e também no Brasil. Isso exerce uma pressão. Mas sobre o oceano, nada se publicou. Podem soltar uma bomba atômica no oceano que não se fala uma palavra. O que foi feito no litoral de São Paulo e do Rio de Janeiro com as ocupações irregulares foi um crime de lesa-pátria. Vamos ser cobrados no futuro.
Há um novo mercado de turismo na Antártida. Como o senhor vê essa prática? A quantidade de pessoas que estão visitando a Antártida é muito grande, mas é um ambiente extremamente frágil. São milhares de turistas todos os verões e os navios de passageiros devem cumprir horários — por isso, eles não respeitam o aviso de mau tempo.
O senhor desenvolveu a vida a pesquisar o oceano com um site, programa de TV e documentários. Em 2012, seu barco, Mar Sem Fim, causou uma tempestade sem precedentes e naufragou na Antártida. O senhor continuar navegando? É o que eu mais quero. Depois do naufrágio, em 2014, eu tive um câncer muito severo e fiquei quatro anos afastado para me tratar. Só me curei após um transplante de medula. Logo depois, veio a pandemia e não retomei as navegações. Busco patrocínio para novas expedições e, enquanto isso, sigo com o meu site Mar Sem Fim.
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G1.globo