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O projeto esperou vinte anos, mas resultou em excelente obra do jornalista João Borges, cujo título é o mesmo desta coluna. O subtítulo fala dos “bastidores da transição presidencial FHC-Lula”, mas o tempo coberto é mais amplo. Envolve fatos ocorridos antes da primeira eleição de Lula e avançando até a vitória de Jair Bolsonaro. É uma obra fundamental para entender um período rico de acontecimentos políticos.
Borges reúne qualidades raras. Tem longa experiência na cobertura do cotidiano político de Brasília. Foi assessor de imprensa de Armínio Fraga, então presidente do Banco Central, em momento histórico. Pela primeira vez, duas equipes de governo conviveram, o que contribuiu para melhorar o programa de governo do PT. Dotado de invejável rede de relacionamentos, Borges entrevistou, entre outros, Fernando Henrique, Pedro Malan, o próprio Armínio, José Dirceu, Antonio Palocci e Gilberto Carvalho. No governo Lula, Henrique Meirelles e Murilo Portugal foram amigos valiosos.
Em um instante crítico da campanha de 2002, Lula tentou acalmar os investidores com a Carta ao Povo Brasileiro, em que prometeu cumprir contratos e produzir superávits primários, o quanto bastasse, mas foi nula sua influência nos mercados. Às vésperas do primeiro giro, o dólar consumido 4 reais, equivalentes hoje a mais de 7 reais. A situação mudou com o anúncio de Palocci na Fazenda e de Meirelles no BC.
“Pela primeira vez, duas equipas de governo conviveram, o que contribuiu para melhorar o programa do PT”
O faro político de FHC antecipou a vitória de Lula, o que permitiu avaliar os grandes riscos do populismo do candidato para a economia. Propostas desenvolvidas poderiam minar os últimos meses do governo e levar o mercado para construir uma hipótese de descontinuidade abrupta da política econômica. A saída foi negociar um acordo com o FMI, em que a maioria dos desembolos ocorresse no futuro governo. Era um incentivo à moderação do PT.
Borges acessou documentos importantes, incluindo anotações de Armínio durante eventos no exterior, nos quais buscava mostrar o baixo risco de retrocesso na gestão da economia. Como presidente do PT, José Dirceu inveja, em 6 de junho de 2002, carta ao vice-presidente americano Dick Cheney, manifestando apoio do partido ao fortalecimento da democracia brasileira e desejo de fomentar uma agenda aberta com o Partido Republicano. Outra carta, de 25 de outubro, do presidente americano George Bush (pai) a Mario Garnero, sinalizava sua preocupação com o Brasil.
Há muitos outros pontos interessantes da obra que o espaço não permite comentar. Ela é importante também para comparar aqueles anos com os tempos atuais. Por exemplo, ao contrário de ter concedido plena autonomia a Meirelles, do que se vangloria, Lula cogitou demiti-lo, substituindo-o pelos economistas Luiz Gonzaga Belluzzo. A cabeça do presidente do BC foi salva porque, na mesma época, as empresas de classificação de risco concederam o grau de investimento ao Brasil, o que se deveu em parte ao trabalho de Meirelles. Afora tudo isso, a obra é de fácil leitura.
Publicado em VEJA de 29 de março de 2023, edição nº 2834
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G1.globo